Quando você começa a estudar sobre animação, ou arte em si, o nome de Walt Disney é um dos nomes que se sobressaem. Os feitos dirigidos por ele ajudaram a definir o as regras de animação e entretenimento que perduram até hoje. Mas o que torna esse nome e suas obras tão importantes?
É o que veremos a partir de hoje nessa nova série de retrospectiva, a qual eu chamarei de "Tio Walt".
Porque sim.
Walter Elias Disney nasceu em Chicago, em 1901. Vindo de uma família pobre, Walt passou a infância dividindo o tempo entre os estudos e a venda de jornais, junto com seus irmãos. Nesse tempo foi quando Walt vez ou outra conseguia assistir a uma exibição de filmes mudos, inclusive um que o inspiraria a fazer uma "loucura", mais tarde.
Aos 16 anos, Walt se alistou como motorista de ambulância na Primeira Guerra Mundial, servindo quase 20 anos na França. Ao voltar, era um homem que tinha certeza do que queria fazer da vida: ser um artista.
Em 1920, se juntou com Ub Iwerks pra montarem um estúdio de desenhos comerciais, que faliu. Foram empregados por um estúdio de animação primitiva no Kansas, onde Walt começou uma série de curtas animados chamados Laugh-O-Grams.
Laugh-O-Grams consistiam em curtas baseados em contos de fada clássicos, mas com uma ambientação moderna (anos 20). O baile de Cinderela era num clube de Jazz, o Gato de Botas levava seu amo pra um cinema, etc. Os desenhos eram mudos e não eram muito diferentes do que já se fazia na época, incluindo os textos entre cenas e os balões de fala.
Alguns deles estão no YouTube, se tiver curiosidade vale a pena dar uma olhada.
Embora os curtas fossem populares no Kansas, eles não davam lucro. Imagino que isso se deva a um boicote armado por Dorothy pedindo que suas aventuras virassem desenho animado, ao invés da péssima adaptação em live-action. Mal sabia ela que em alguns anos Ted Esbaugh apareceria e faria uma adaptação animada de sua história. Pior que a live-action, mas divago.
Walt concluiu um último
projeto e o levou com seu irmão Roy para Hollywood, a fim de
conseguir investidores. O rolo de filme continha Alice in Wonderland.
Naquele tempo, o Estúdio
Fleischer já produzia animações que misturavam realidade com desenhos, mas se especializaram em fazer animações em um cenário real. Walt
usou a mesma base dos Laugh-O-Grams, e deu a Alice in Wonderland um
twist moderno, onde uma garotinha chamada Alice visitava o estúdio
de animação e sonhava com os personagens animados.
Walt arrastou Roy e a atriz
mirim Virginia Davis pra Hollywood, e os irmãos Disney chegaram na
casa de um tio que morava por lá, num diálogo que se seguiu mais ou
menos assim:
Walt: Fala tio, beleza?
Robert: Diga lá, Zé
Valter. Como cê anda, minha altarquia?
Walt: Tio, seguinte, eu e o
Roy tamo com uns projeto de fazer desenho animado, mas a gente precisa dum lugar pra fazer os desenho. Já arranjamo distribuidor pros filmes, mas não temos
onde fazer os filme, tem um canto aí pa nóis?
Robert: E porque eu ajudaria
vocês?
Roy: Porque papai tem medo
da vida agitada da cidade grande e do Walt ser preso por roubar
charutos ou algo assim, a gente precisa trabalhar.
Robert: Olha, eu tenho uma
garagem nos fundos que eu normalmente usava pra tort... Negociar com
meus devedores. Cês podem usar, se quiserem. A propósito, quem é o
distribuidor de vocês?
Roy: Margareth Wrinkler,
conhece?
Robert: Aah, a noiva do
Carlin do Mentos. Gente boa.
Ignorando o provável
histórico sombrio e os gritos ecoantes que eventualmente as paredes emitiam, Walt e
Roy aceitaram a oferta e começaram a produzir os curtas de Alice
Comedies. Foi nesse tempo que Walt contratou uma jovem para colorir
os desenhos, que mais tarde iria colorir sua vida.
...UAU! Eu preciso esmurrar
uma parede depois dessa.
Com o passar do tempo, o
foco dos desenhos mudou de Alice pros personagens antropomórficos,
um deles sendo um gato chamado Julius, que lembrava bastante o Félix.
No entanto, Margareth se
casou com Charles Mintz, que tomou conta de maior parte do negócio
dela, e pediu uma nova série animada de Walt e sua equipe. Walt
criou Oswald, o Coelho Sortudo.
O personagem fez imenso
sucesso na época, gerando lucros ao estúdio de Mintz e obviamente,
a Walt e sua equipe. Cheio de alegria e charutos, Walt chegou no
gabinete do chefinho Mentos pedindo um aumento de salário, ao qual
Mintz respondeu:
Carlin: Salário? Do que
raios cê tá falando, meu jovem? Tamos em contenção de despesa, precisar cortar teu salário pra botar um bar no meu banheiro.
Walt: É o que mah? Tão-se pronto, tou vazando daqui, ó. Juntar minha equipe e ir pra outro canto, se lascar, nam.
Carlin: Equipe? A maioria
dos animadores são meus, mah, te alui.
Walt: Ok, pelo menos ainda tenho
Oswald.
Carlin: Ó azideia dos cara, o Osvaldo é
meu.
Crônicas da época relatam que Walt começou a xingar Charles de nomes impronunciáveis, e
criou 3 xingamentos que são usados até aos dias de hoje. Teorias de
que mais palavrões foram criados na ocasião, mas foram abafados
pelas gargalhadas diabólicas de Charles Mintz, e estes xingamentos permanecem desconhecidos até hoje.
Isso era procedimento comum
na época (e até aos dias de hoje, ironicamente a Disney ainda faz
isso, aliás. Quando chegarmos nos quadrinhos eu conto essa
história), mas Walt ainda estava abalado. Mas essa crise o ensinou a
ter certeza de que tudo que fizesse fosse 100% dele.
Durante uma viagem de trem,
Walt rascunhava em busca de uma nova estrela.
Lillian: Mozããun, que cê
tá fazendo?
Walt: Ó, eu desenhei um
ratinho. Chamar ele de Mortimer.
Lillian: Ow Válter, cê tá doido
ou bebe gás? Nome ridículo da peste, chama de Mickey.
Walt: Mas-
Lillian: Se quiser usar ele
pra um rival do Mickey beleza, mas o nome dele vai ser Mickey.
Walt: Ma-
Lillian: Vai. Por. Mim.
E daí Walt começou a fazer
curtas animados com Mickey Mouse, os primeiros sendo Plane Crazy e
The Gallopin' Gaucho. Assim como os curtas da época, eles consistiam
em um plot raso e feito unicamente para criar gags visuais
sincronizadas com música. Como usar a barba de um velho
como violão, ou ossos como xilofone.
A própria personalidade dos personagens ainda precisava ser muito lapidada. Minnie era o esteriótipo do esteriótipo de mocinha indefesa, e Mickey ainda era muito babaca.
A própria personalidade dos personagens ainda precisava ser muito lapidada. Minnie era o esteriótipo do esteriótipo de mocinha indefesa, e Mickey ainda era muito babaca.
Agora, é importante
ressaltar que desenhos animados com som eram feitos há muito tempo, pela Fleischer com a série Song-Car Tunes. Mas Steamboat Willie foi o primeiro que
conseguiu sincronizar mais perfeitamente o som e imagem. Ele não
criou a ideia, apenas aperfeiçoou, e na época foi um sucesso,
obviamente.
Mas Walt queria ir além,
ele criou outra série de curtas feitas como um laboratório entre
imagem e som, as Silly Symphonies, cujo nome inspirou a Warner a
criar suas Merrie Melodies e à MGM suas Happy Harmonies.
Mnemônicas FTW!
Ambas as séries serviam
como laboratório, mas era nas Silly Symphonies que aparentemente a
equipe tinha mais liberdade. A técnica de colorização foi
melhorando, culminando nos curtas Flowers and Trees e The Band
Concert. Embora as duas séries compartilhassem de fontes criativas
(ambas tem curtas com temáticas semelhantes e até sequências
inteiras de animação eram compartilhadas, como os esqueletos de
Skeleton Dance e Haunted House), com Goddess of Spring e The Old
Mill, os animadores de Walt testavam alguns conceitos que
usariam em breve.
Caso você, assim como eu,
adora notar a evolução de um artista ou equipe, e aprecia suas
obras na ordem em que foram criadas/lançadas, é interessantíssimo
assistir a Silly Symphonies e Mickey Mouse Sound Cartoons. Junto com
uma certa pesquisa de outros desenhos da época, vai notar que eles
tinham muitas coisas em comum, como ter tramas tão rasas que fazem
com que Sam e Cat se pareça com Game of Thrones, e uma animação mais
experimental, com um ou outro erro de continuidade e focadas em gags
visuais sem muita pretensão.
E a maioria dos desenhos da
época seguiam esse padrão (Merrie Melodies usava músicas dos
filmes da Warner na época, servia de propaganda pros filmes). Foi
então que Walt anunciou que iria fazer um longa-metragem em desenho
animado, com um roteiro mais desenvolvido e usando o que aprendeu com
os curtas (sendo que Big Bad Wolf foi um dos primeiros SS que incluiu
personagens com motivações identificáveis e diálogos).
Quando Walt anunciou que seu
estúdio iria produzir um longa metragem animado, foi fortemente
recomendado a não fazê-lo, especialmente porque iria custar rios de
dinheiro, e Walt apostou tudo no filme, inclusive hipotecando sua
casa. O filme foi apelidado na época de A Loucura de Disney.
Embora não fosse o primeiro
longa animado (a honra vai para o perdido El Apóstol, de 1917)), seria o primeiro que teria uma qualidade incrivelmente
realista, e que na noite de estréia recebeu uma salva de palmas em
pé.
A história do filme conta
sobre Branca de Neve e sua madrasta, a Rainha Má (cujo nome real eu
suponho que seja algo como Marcelina ou Maria Joaquina, pra ter esse
apelido e a personalidade sombria). A Rainha morre de inveja da
beleza de Branca, e manda que seu caçador a mate. O caçador se
arrepende e deixa Branca fugir pra floresta, sem se importar se ela
de fato morreria no processo.
Não se fazem mais caçadores
tão inteligentes que conseguem até realizar cirurgias. Bons tempos de
Chapeuzinho Vermelho.
Branca encontra uma casinha
baldeada, e como toda boa moça que sabe cuidar de casa e que só
falta mudar a cor da sua pele a tapas caso você pise no chão que
ela acabou de limpar, ela arruma a casa.
Mas a cabaninha pertence a sete
anões, que aceitam a moça a morar com eles percebendo que
precisavam de uma presença feminina.
Mas a Rainha Mariana
descobre que Branca está viva, e resolve dar um jeito ela mesma. Uma
vez que ela tem como hobby a bruxaria (que deve gerar reações
interessantes numa entrevista de emprego), ela se disfarça de velha,
envenena uma maçã, yadda yadda yadda, tristeza, príncipe, lucros,
felizes para sempre.
A história toda é manjada,
mas o que faz realmente esse filme (além da técnica de animação,
que serviria de referência pra praticamente todos os filmes
futuros), são as gags e o clima colocados neles.
As gags são do mesmo estilo
que já era tradicional dos curtas, mas com um certo refino,
especialmente do timming e fluidez da animação. Bem como as idéias, que são genuinamente
criativas. O que o filme falha em desenvolvimento de personagem (que
não era tão necessário na época), ele ressalta em criatividade de
piadas.
Embora nos importemos com
Branca de Neve (porque ela é de fato simpática e amável), o grande
highlight do filme são os anões, com suas características
inconfundíveis e personalidades identificáveis, havendo até mesmo
evolução de Zangado.
O estilo visual do filme
toma referência nas artes européias, tanto em personagens como em
cenários, mas no início seria bem mais cartunesco que o produto
final. Assim como O Mágico de Oz, o filme passou por mudanças
drásticas, até porque ele estava criando e aperfeiçoando muitos
dos elementos e técnicas que seriam usadas.
Por exemplo, o plano de
multicâmera era um aparelho desenvolvido por Ub Iwerks pra mostrar
cenários com profundidade tridimensional. Ele consiste em várias
chapas de vidro com os cenários pintados a óleo em camadas: uma
camada pro plano de fundo, outra pro primeiro plano, e quantos planos
forem necessários. A técnica foi testada no curta The Old Mill, mas
algo parecido já havia sido feito nos filmes L'Idee e The
Adventures of Prince Achmed, mas nenhum foi feito almejando o estilo
realista como Branca de Neve.
Curiosidade random: os
Estúdios Fleischer faziam quase a mesma coisa, mas com cenários
reais, sendo fotos ou maquetes. Caso esteja curioso, o nome da
técnica é Stereoptical Camera.
Todos do estúdio, e principalmente Walt, estavam extremamente tensos na noite de estréia. Ninguém sabia que reação o público teria, se as previsões de que a platéia não aguentaria uma hora e meia de um desenho animado iria se concretizar.
O resultado foi a platéia indo aos prantos com a morte de Branca, e uma salva de aplausos em pé no final da exibição.
O resultado foi a platéia indo aos prantos com a morte de Branca, e uma salva de aplausos em pé no final da exibição.
A Loucura de Disney rendeu a
Walt um Oscar honorário pelos feitos técnicos no filme, incluindo
sete pequenos Oscars. Além, claro, de um teto sobre a cabeça e uma montanha de grana, que ele
usou pra construir um estúdio de respeito em Burbank, Califórnia,
continuando a produzir curtas de Mickey, Donald (que surgiu no curta
Wise Little Hen), Pateta e Pluto, e descontinuou Silly Symphonies.
Mas Tio Walt já planejava o próximo grande passo.
Começava a Era de Ouro de
Walt Disney.
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