Ace Attorney


Uma das coisas que mais tem alimentado portais, canais, blogs e qualquer outra mídia que se denomine "nerd" é quando sai um trailer ou foto ou filme novo, eles se debruçam a procurar referências e easter eggs.

Ok que são coisas divertidas pra se olhar e que normalmente aumentam o fator replay de um filme, mas o que eu tenho sentido é que muitas vezes isso tem sido usado como fator mais importante pra decidir se um filme é bom ou ruim.

"Nossa tem muita referência só quem é fã de verdade vai entender, não é um filme feito pro público normal é só pro fã que lê os quadrinhos". Toda vez que eu ouço algo assim eu tenho vontade de esganar um crocodilo. É típico de alguém que quer se auto afirmar numa tribo e pra isso usa trivia ou referências obscuras pra dizer o quão bom um filme baseado em algo é.

Aí acaba aparecendo alguém dizendo que Batman vs. Superman é bom só pelo fanservice.

Referências em um filme devem ser bem dosadas, ter um propósito. Se The Muppets de 2011 não tivesse as referências (tanto óbivas quanto obscuras) bem dosadas talvez as cenas emocionantes e o próprio protagonista (Walter) não fossem tão efetivos. O mesmo vale pra Gokaiger.

Mas meramente jogar referências e dar um tom ou roupagem levemente nova num caldeirão dificilmente dá certo.

O que nos leva ao live action de Ace Attorney.



Se você não conhece, Ace Attorney é uma série de jogos visual novel sobre um advogado de defesa novato, cuja missão é encontrar pistas e contradições nas declarações das testemunhas. E é... surpreendentemente divertido. Os personagens são memoráveis, há diversos momentos legitimamente engraçados, bem como situação realmente dramáticas.

O desafio do diretor Miike Takashi era o de conseguir traduzir os casos, personagens e clima pra um filme com um tom mais sério e realista. Lembrando sempre que estamos falando de uma franquia de jogos japoneses onde os personagens são advogados e civis que se vestem como se vivessem numa realidade paralela onde os otacos da Liba tivessem vencido a Terceira Guerra Mundial usando uma bomba caseira feita de tempero de miojo e Mupy, obrigando a todo mundo a usar roupas com cores criminalmente fortes, perucas com gel e bottons que identificam teu nome no MyAnimeList e indica teu ranking social baseado no número de desenhos japoneses que assistiu.

O cara que conseguiu fazer com que Yattaman parecesse plausível no mundo real obviamente era a escolha certa pro filme.
Ok que ele é conhecido pelos filmes sangrentos e com tanta violência que faria o James Rolfe se dedicar a resenhar única e exclusivamente live actions do Disney Junior pro resto da vida, mas eu divago.


No jogo, obviamente as evidências são mostradas diretamente ao jogador, e como o orçamento do primeiro jogo foi o equivalente a um pacote de torradinhas Crocantíssimo Salaminho com Limão e um chaveiro da Beira-Mar (o que ocasionou em dois membros terem desistido no meio do projeto), não dava pra mostrar com clareza como os personagens guardavam ou analisavam as evidências.

E cá entre nós, isso nem era necessário, dado a natureza do jogo, mas no filme, eles tem uma forma interessante de lidar com isso.

Há um grande maquinário em cada corte, que mostra via holograma as evidências e até responde aos movimentos dos advogados (o que é útil pra quando eles fazem o movimento de "Take That!").

E há até um conceito interessante de que no passado usavam uma TV de tubo gigante no lugar dos hologramas.



Ok, então o filme consegue ter um design de produção que balanceia o lado cômico/cartunesco mas também consegue ser levado a sério caso precise, tomando as liberdades necessárias pra que o filme possa fluir em seu próprio universo e ao mesmo tempo respeite a obra original. Então, onde ele falha?

É... Complicado.


Se você jogou o primeiro jogo (o de Game Boy Advance, que depois foi portado pro DS e 3DS), não vai se perder aqui. O primeiro caso serve pra mostrar o quão inexperiente é Phoenix, já que ele trabalha numa corte que obviamente faz homenagem ao orçamento do primeiro jogo (e até funciona pra que sintamos a mesma surpresa do personagem quando entramos numa corte de verdade, com holograma e yadda yadda yadda). E eu não culpo os caras resumirem o primeiro e segundo casos no final só pra poder introduzir o personagem e as regras de mundo, mas... Veja bem.


É o tipo de coisa que a gente queria ver. A amizade entre Phoenix e Larry, o caso do Steel Samurai,  Tudo acontece muito rápido e mal dá tempo de se acostumar com o personagem como advogado, ou sua relação com a chefa, Mia Fey, ou mesmo com o amigo de Phoenix, mesmo que ele vá ter mais tempo de tela no futuro.


A edição no começo do filme é ORNITORRINCAMENTE sofrível. Tudo acontece muito rápido, e a menos que tu tenha jogado até o fim do primeiro jogo, tu não vai conseguir pegar todos os detalhes direito, especialmente do caso DL-6 que é o foco do filme.

E embora o desenvolver dos casos nos tribunais seja interessante e com um ritmo agradável (com a personalidade mais identificável de Phoenix, e uma comédia um pouco mais presente), o que acontece fora deles é tão... Morno. Tão esquecível. Ele tenta e até consegue adaptar bem os eventos do jogo em forma de filme, mas nesse caminho ele esquece de dar carisma aos personagens, especialmente Maya.


Phoenix é o protagonista, ele é basicamente o jovem adulto que tenta fazer a coisa certa pelos seus ideias clássicos japoneses de justiça, amizade, fidelidade e coisas bonitas e coloríveis. Ele tenta ser o cara racional, maduro, mas muitas vezes acaba sendo zoado por algum motivo, o que o torna mais próximo de nós. Uma das coisas que o torna mais palpável é Maya, irmã da sua chefa. Ela é uma garota treinando pra ser uma médium, mas que ao mesmo tempo tem uma personalidade infantil, sem ser birrenta ou irritante. É um feito, de fato.

Conseguimos gostar dela por ela ser de fato útil nas investigações, como também por ela ser engraçada, alegre, e imprevisível. Em um momento ela fala seriamente sobre possibilidades da identidade do assassino, e no próximo ela tá trocando figurinhas do tokusatsu local.


No filme ela é tão memorável quanto uma caixa de Sucrilhos, e a atriz não faz absolutamente nada pra tornar a personagem mais memorável. Mas em defesa dela, tudo na produção parecia estar contra ela, desde o roteiro de sua personagem que é tão raso que poderia ser apelidado de piscina infantil, até a maquiagem e cabelo que faz com que Tio Victor de Castelo Rá-Tim-Bum pareça com um personagem em um drama de época.


E basicamente, esse é o maior erro do filme: eu não consigo me importar com os personagens.

Eu não sei exatamente quem eles são, porque eu deveria torcer pra eles, porque eu não os sinto próximos a mim como eu senti no jogo. Obviamente, no jogo há muito mais tempo pra isso, mas não é algo impossível de fazer num filme.

Ele basicamente narra uma história do ponto A ao ponto B sem se importar muito em desenvolver personagens ou nos aproximar deles, ou mesmo em ter uma narrativa que consiga fluir bem o tempo todo, em alguns momentos ela parece dar umas travadas estranhas.


Assim como no jogo, os momentos mais divertidos são de fato durante os julgamentos, que são bem diferentes do sistema usado nos Estados Unidos ou aqui.

Ou não, sei lá, eu entendo tanto de legislação quanto de fabricação de batons de cacau. Mas é um sistema bastante simples e que é ligeiramente justificado no começo do filme, até mostrando como basicamente se tornaram uma espécie de teatro da vida real com os dois advogados se enfrentando ao vivo.
É um conceito absurdamente interessante, mas que não foi tão bem executado quanto deveria.

Enfim, durante os julgamentos (e talvez no interrogatório com Edgeworth) são os melhores momentos, onde vemos os advogados mostrarem mais de suas personalidades e modos de raciocinar, além de ter até flashbacks de coisas que não tinham no jogo, o que é muito bem-vindo.


Esse filme é uma bagunça. É basicamente um caldeirão de referências ao jogo. "Aqui está Lotta! Aqui está Gumshoe! Aqui está o relógio do Pensador! Aqui está von Karma! Polly! O Juiz! Detector de metais!" Mas ele não preenche com carne, com vida aos personagens.


É na real um material dificílimo de adaptar. A idéia aqui é que Maya ficou traumatizada com a morte da irmã, e por isso ela é menos chocolatante do que no jogo, e sequer há menção a hambúrgueres (ou seja lá o que ela menciona na versão original). Mas uma transição mais suave poderia acontecer, até firmando a confiança que ela tem no Phoenix, que era até mostrado nas brincadeiras entre os dois. Mostrava que eles tinham respeito um pelo outro, mas que também se permitiam brincar às vezes.

Bem como o treinamento de Maya, não fica claro pra audiência que não teve contato com os jogos o motivo dela ir embora no final.

"SPOILERS! SPOILERS! CHIIIRP!"

É complicado de recomendar esse filme. Se você nunca jogou os jogos, talvez tenha interesse em como os julgamentos se desenrolam (que são de fato bem montados e executados, tomando liberdades que não passam do necessário). Nesse caso, é melhor ficar com os jogos mesmo.

Se você é familiar à franquia, talvez goste de ver como os personagens se comportam num live action, ou como o figurino e maquiagem foi feito. Nesse caso, pode até se decepcionar com alguns casos (como o mais grave sendo o de Maya), e até entender a adaptação de personagens como Redd White, mas no geral vai te deixar com um sentimento meio vazio.


E é isso que esse filme acaba sendo. Um visual e conceitos interessantes com pontos incrivelmente bem adaptados, mas uma falta de esforço e paixão no resto, que acaba com que o resultado final seja "meh". Eu ainda não vi a série de TV, mas parece ser bem melhor, mesmo com o character design parecendo ser feito pelo pessoal que faz desenhos em vetor no Deviantart.


E... hã... Eu deveria terminar essa resenha de acordo né...

Ou seria clichê demais?

...aaaaah que se dane.